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A popularidade da guitarra

No século XX, o despontar da música folclórica e popular levou a guitarra – omnipresente em palco e no ecrã – tanto para o interior das casas familiares como dos dormitórios universitários. Quando os Beatles andaram em digressões pelo mundo (até estiveram aqui bem perto, no Princess Theatre de Hong Kong em 1964), podia sentir-se a adrenalina que subia das multidões. A guitarra acústica sofreu um impulso semelhante ao longo de décadas, quando o movimento de “música popular” explodiu e circulou nas universidades asiáticas. A venda de guitarras disparou naturalmente a partir de então.

A guitarra moderna é, no entanto, apenas o mais distinto membro de uma enorme família de instrumentos que se estende desde o alaúde renascentista ao oude árabe, passando pelo banjo americano e pela pipa chinesa. Apesar das diferenças de formato, tamanho e nos materiais envolvidos, todos eles partilham características semelhantes: o tocador abraça o instrumento cuja caixa de ressonância repousa no seu abdómen; enquanto a mão esquerda percorre a escala, a direita dedilha as cordas.

Desfile de cordas

Talvez o “som de guitarra” mais reconhecível seja o dedilhar de acordes que vai criando ricas sonoridades. Mas a guitarra também é um instrumento melódico que a torna versátil tanto a solo como em acompanhamento. E de facto, esta descrição também se adequa perfeitamente à pipa.

Poderemos então imaginar o resultado sonoro de um casamento entre a guitarra e a pipa? No concerto que a traz a Macau, Yang Xuefei inclui três trabalhos distintos para tal dueto, em que cada peça acentua tanto as suas semelhanças como os seus contrastes. Três Variações de Cerejeiras em Flor tem raízes no guqin (instrumento de cordas antigo da família do zither e do guzheng), enquanto que um arranjo especial de Danças Folclóricas Romenas, de Béla Bartók, fortemente inspirado nas características sonoridades dedilhadas, nos transporta ao repertório tradicional transilvano que o compositor recolheu antes da Primeira Grande Guerra. Também é pertinente o facto de o dueto guitarra-pipa reflectir trabalho contemporâneo escrito especificamente para essa mescla: a recente gravação Dança Flamenca do singapuriano sediado em Pequim, Lim Yi , presta homenagem à icónica tradição espanhola ao mesmo tempo que nos lembra como, no século XXI, os diferentes estilos de cada país se completam na nossa aldeia global.

Yang Xuefei vai finalmente deleitar o público no Grande Auditório do CCM com uma emocionante série de temas para guitarra de difícil execução técnica. Felizes pela oportunidade de reapresentar este concerto após o cancelamento do ano passado, voltamos a publicar o elucidativo artigo de Joanna Lee sobre o trabalho de uma artista considerada uma das maiores guitarristas contemporâneas do mundo.

Ao longo das duas últimas décadas, a reconhecida guitarrista chinesa Yang Xuefei tem coleccionado prémios interpretando clássicos barrocos, espanhóis e latino-americanos. Neste concerto, a intérprete colabora com Sun Ying (pipa) e  Lu Yiwen (erhu), expandindo os seus horizontes, invocando o espírito chinês, e não só.

Esboços da China –
Desbravando caminhos com
novos arranjos

A iniciativa de transcrever e arranjar

Numa entrevista exclusiva para este artigo,Yang Xuefei descreve o seu próprio percurso artístico não apenas enquanto intérprete mas também como arranjadora, ao longo de duas décadas de digressões internacionais. O desejo de promover trabalhos chineses para o seu instrumento começou literalmente no arranque da sua carreira. A flexibilidade na utilização de diferentes combinações de instrumentos em qualquer trabalho remonta, segundo a própria afirma, a J.S. Bach. A medida do sucesso, acrescenta, “é a forma como se chega ao espírito da música”. Xuefei rege-se por um único objectivo: partilhar com os amantes da guitarra em todo o mundo a música chinesa da sua juventude.

Este espectáculo inclui música chinesa, antiga e moderna, transcrita para uma guitarra a solo (por vezes acompanhada pela pipa e pelo erhu). A mais recente é A Dança da Espada de Changjun, uma peça originalmente composta para o liuqin (um alaúde de quatro cordas em formato de pêra, muito parecido com uma pipa em miniatura), inspirado num poema antigo escrito na dinastia Tang. A melodia antiga Uma Noite de Luar no Rio Primavera é frequentemente reproduzida pela pipa, embora a afinidade da peça com a guitarra seja completada pelo conjunto de transcrições de Xuefei, captando o espírito original da música ao mesmo tempo que lhe junta a sua singular sensibilidade artística.

Espírito e essência

Ao longo do século passado, a música chinesa viveu uma autêntica revolução ao incorporar elementos ocidentais, fazendo nascer muitos trabalhos reconhecidos utilizando amplas orquestrações ocidentais. De entre esses clássicos, nenhum se compara ao sucesso imediato e persistente do Concerto Amantes Borboleta estreado em 1959 por ocasião do décimo aniversário da fundação da República Popular da China. Criado originalmente como concerto para violino, a peça manteve a sua grandeza original através de inúmeras adaptações para uma vasta gama de outros instrumentos a solo, mas os arranjos de Xuefei para a guitarra e erhu preservam a beleza da tragédia romântica através de excertos num contexto mais próximo da música de câmara. Para a guitarrista, o erhu é um instrumento mais “sensível” que o violino, e melhor capaz de absorver o virtuosismo ao serviço da música. Uma vez que a melodia principal de Amantes Borboleta deriva da ópera Yue, o erhu tem uma ligação directa a essa tradição popular. Outros dois trabalhos derivaram de peças orquestrais – Dança Yao (aqui com arranjos para guitarra a solo) e Nuvens de Prata Perseguindo a Lua (para guitarra e erhu) – combinam graciosas melodias com uma memorável entoação rítmica, adicionando mais cor e espírito à paleta de música chinesa.

Fusão Oriente e Ocidente, a formação de novas alianças

O que Yang Xuefei mais acarinha é o espírito e a essência da música que mexe com a alma, qualidades que se estendem através de épocas e zonas geográficas. Para a guitarrista, as transcrições e arranjos também devem contribuir para, de alguma forma, enriquecer o trabalho original, de outro modo o esforço é inútil. Uma vez que a guitarra pode gerar frequentemente os encontros mais íntimos, entre poucas notas e sons harmónicos – outras vezes invocando uma emotividade dramática através de acordes mais troantes – Xuefei descobriu um veículo apropriado para a sua criatividade. Tratando-se de uma artista colaborativa, também leva outros à cena, abrindo portas a horizontes musicais que não param de se expandir.

A montagem de um espectáculo musical passa, essencialmente, pelo planeamento de uma viagem agradável e emotiva para o público. Preparemo-nos então para um banquete de tesouros escondidos: depois de apreciarmos o prazer terra-a-terra da música inspirada no flamenco (trabalhos a solo de Juan Martín), deparamo-nos com uma homenagem especial à forma musical andaluza em Dança Flamenca de Lim Yi. Cada peça musical tem como base não só o peso das histórias, mas também de uma devoção sentida por gerações de artistas, dos seus pares e antecessores.

Yang Xuefei  (Guitarra)

Yang Xuefei é uma das melhores guitarristas clássicas do mundo e também a primeira artista chinesa a enveredar por uma carreira internacional com este instrumento. A revista de música britânica Classic FM colocou o nome de Yang Xuefei entre os 100 melhores músicos clássicos do nosso tempo e em 2019 apareceu na capa da revista Classical Guitar Magazine pela terceira vez. Agora sediada no Reino Unido, Yang é reconhecida enquanto solista e artista de câmara, tendo actuado em mais de 50 países na América, Europa e Ásia e colaborado com artistas prestigiados como o tenor Ian Bostridge. Convidada frequente de algumas das orquestras mundiais de topo, Yang é directora artística do Festival Internacional de Guitarra de Changsha desde 2015.

Lu Yiwen  (Erhu)

Lu Yiwen é uma das mais conhecidas intérpretes de erhu na China e uma influente artista nessa área musical. É directora do Comité do Erhu da Sociedade Nacional de Orquestras Tradicionais da China e leciona actualmente no Conservatório de Xangai. Ao longo dos anos recebeu inúmeros prémios e em 2018 foi nomeada Revelação Musical do Ano. Em 2019 foi bolseira da Fundação Nacional das Artes para Jovens e actuou no concerto a solo “Diálogo entre Melodia Chinesa e Sinfonia”. Em 2020 andou em digressão pela China com o seu Recital de Erhu tendo recebido grandes elogios da crítica.

Sun Ying (Pipa)

Sun Ying é membro da Sociedade Nacional de Orquestras Tradicionais, na qual integra o Comité de Pipa, e é intérprete convidada do Centro Nacional de Artes Performativas (NCPA).  Tendo concluído uma pós-graduação, desde 2012 que Sun colabora com a orquestra da NCPA, tendo gravado inúmeras bandas sonoras de filmes e séries de televisão. De 2016 a 2018, Sun actuou como solista na Gala do Festival de Primavera da CCTV tendo também gravado um solo de pipa num espectáculo para os Jogos Olímpicos de Inverno Pyeongchang 2018. Em anos recentes, Sun deu uma série de recitais em Pequim e andou em digressões pela África do Sul, Finlândia, Austrália, Japão entre muitos outros países, levando os sons da pipa e da música tradicional chinesa por esse mundo fora.

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Yang Xuefei vai finalmente deleitar o público no Grande Auditório do CCM com uma emocionante série de temas para guitarra de difícil execução técnica. Felizes pela oportunidade de reapresentar este concerto após o cancelamento do ano passado, voltamos a publicar o elucidativo artigo de Joanna Lee sobre o trabalho de uma artista considerada uma das maiores guitarristas contemporâneas do mundo.

Esboços da China –
Desbravando caminhos com
novos arranjos

Os que estão familiarizados com o mundo da dança contemporânea na China certamente que já ouviram falar de Hou Ying. A bailarina tornada coreógrafa é produto de uma geração de artistas forjada há algumas décadas, quando esta forma de arte se começou a expandir e expressar no país.

A popularidade da guitarra

No século XX, o despontar da música folclórica e popular levou a guitarra – omnipresente em palco e no ecrã – tanto para o interior das casas familiares como dos dormitórios universitários. Quando os Beatles andaram em digressões pelo mundo (até estiveram aqui bem perto, no Princess Theatre de Hong Kong em 1964), podia sentir-se a adrenalina que subia das multidões. A guitarra acústica sofreu um impulso semelhante ao longo de décadas, quando o movimento de “música popular” explodiu e circulou nas universidades asiáticas. A venda de guitarras disparou naturalmente a partir de então.

A guitarra moderna é, no entanto, apenas o mais distinto membro de uma enorme família de instrumentos que se estende desde o alaúde renascentista ao oude árabe, passando pelo banjo americano e pela pipa chinesa. Apesar das diferenças de formato, tamanho e nos materiais envolvidos, todos eles partilham características semelhantes: o tocador abraça o instrumento cuja caixa de ressonância repousa no seu abdómen; enquanto a mão esquerda percorre a escala, a direita dedilha as cordas.

Desfile de cordas

Talvez o “som de guitarra” mais reconhecível seja o dedilhar de acordes que vai criando ricas sonoridades. Mas a guitarra também é um instrumento melódico que a torna versátil tanto a solo como em acompanhamento. E de facto, esta descrição também se adequa perfeitamente à pipa.

Poderemos então imaginar o resultado sonoro de um casamento entre a guitarra e a pipa? No concerto que a traz a Macau, Yang Xuefei inclui três trabalhos distintos para tal dueto, em que cada peça acentua tanto as suas semelhanças como os seus contrastes. Três Variações de Cerejeiras em Flor tem raízes no guqin (instrumento de cordas antigo da família do zither e do guzheng), enquanto que um arranjo especial de Danças Folclóricas Romenas, de Béla Bartók, fortemente inspirado nas características sonoridades dedilhadas, nos transporta ao repertório tradicional transilvano que o compositor recolheu antes da Primeira Grande Guerra. Também é pertinente o facto de o dueto guitarra-pipa reflectir trabalho contemporâneo escrito especificamente para essa mescla: a recente gravação Dança Flamenca do singapuriano sediado em Pequim, Lim Yi , presta homenagem à icónica tradição espanhola ao mesmo tempo que nos lembra como, no século XXI, os diferentes estilos de cada país se completam na nossa aldeia global.

A iniciativa de transcrever e arranjar

Numa entrevista exclusiva para este artigo,Yang Xuefei descreve o seu próprio percurso artístico não apenas enquanto intérprete mas também como arranjadora, ao longo de duas décadas de digressões internacionais. O desejo de promover trabalhos chineses para o seu instrumento começou literalmente no arranque da sua carreira. A flexibilidade na utilização de diferentes combinações de instrumentos em qualquer trabalho remonta, segundo a própria afirma, a J.S. Bach. A medida do sucesso, acrescenta, “é a forma como se chega ao espírito da música”. Xuefei rege-se por um único objectivo: partilhar com os amantes da guitarra em todo o mundo a música chinesa da sua juventude.

Este espectáculo inclui música chinesa, antiga e moderna, transcrita para uma guitarra a solo (por vezes acompanhada pela pipa e pelo erhu). A mais recente é A Dança da Espada de Changjun, uma peça originalmente composta para o liuqin (um alaúde de quatro cordas em formato de pêra, muito parecido com uma pipa em miniatura), inspirado num poema antigo escrito na dinastia Tang. A melodia antiga Uma Noite de Luar no Rio Primavera é frequentemente reproduzida pela pipa, embora a afinidade da peça com a guitarra seja completada pelo conjunto de transcrições de Xuefei, captando o espírito original da música ao mesmo tempo que lhe junta a sua singular sensibilidade artística.

Espírito e essência

Ao longo do século passado, a música chinesa viveu uma autêntica revolução ao incorporar elementos ocidentais, fazendo nascer muitos trabalhos reconhecidos utilizando amplas orquestrações ocidentais. De entre esses clássicos, nenhum se compara ao sucesso imediato e persistente do Concerto Amantes Borboleta estreado em 1959 por ocasião do décimo aniversário da fundação da República Popular da China. Criado originalmente como concerto para violino, a peça manteve a sua grandeza original através de inúmeras adaptações para uma vasta gama de outros instrumentos a solo, mas os arranjos de Xuefei para a guitarra e erhu preservam a beleza da tragédia romântica através de excertos num contexto mais próximo da música de câmara. Para a guitarrista, o erhu é um instrumento mais “sensível” que o violino, e melhor capaz de absorver o virtuosismo ao serviço da música. Uma vez que a melodia principal de Amantes Borboleta deriva da ópera Yue, o erhu tem uma ligação directa a essa tradição popular. Outros dois trabalhos derivaram de peças orquestrais – Dança Yao (aqui com arranjos para guitarra a solo) e Nuvens de Prata Perseguindo a Lua (para guitarra e erhu) – combinam graciosas melodias com uma memorável entoação rítmica, adicionando mais cor e espírito à paleta de música chinesa.

Fusão Oriente e Ocidente, a formação de novas alianças

O que Yang Xuefei mais acarinha é o espírito e a essência da música que mexe com a alma, qualidades que se estendem através de épocas e zonas geográficas. Para a guitarrista, as transcrições e arranjos também devem contribuir para, de alguma forma, enriquecer o trabalho original, de outro modo o esforço é inútil. Uma vez que a guitarra pode gerar frequentemente os encontros mais íntimos, entre poucas notas e sons harmónicos – outras vezes invocando uma emotividade dramática através de acordes mais troantes – Xuefei descobriu um veículo apropriado para a sua criatividade. Tratando-se de uma artista colaborativa, também leva outros à cena, abrindo portas a horizontes musicais que não param de se expandir.

A montagem de um espectáculo musical passa, essencialmente, pelo planeamento de uma viagem agradável e emotiva para o público. Preparemo-nos então para um banquete de tesouros escondidos: depois de apreciarmos o prazer terra-a-terra da música inspirada no flamenco (trabalhos a solo de Juan Martín), deparamo-nos com uma homenagem especial à forma musical andaluza em Dança Flamenca de Lim Yi. Cada peça musical tem como base não só o peso das histórias, mas também de uma devoção sentida por gerações de artistas, dos seus pares e antecessores.

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Yang Xuefei  (Guitarra)

Yang Xuefei é uma das melhores guitarristas clássicas do mundo e também a primeira artista chinesa a enveredar por uma carreira internacional com este instrumento. A revista de música britânica Classic FM colocou o nome de Yang Xuefei entre os 100 melhores músicos clássicos do nosso tempo e em 2019 apareceu na capa da revista Classical Guitar Magazine pela terceira vez. Agora sediada no Reino Unido, Yang é reconhecida enquanto solista e artista de câmara, tendo actuado em mais de 50 países na América, Europa e Ásia e colaborado com artistas prestigiados como o tenor Ian Bostridge. Convidada frequente de algumas das orquestras mundiais de topo, Yang é directora artística do Festival Internacional de Guitarra de Changsha desde 2015.

Lu Yiwen  (Erhu)

Lu Yiwen é uma das mais conhecidas intérpretes de erhu na China e uma influente artista nessa área musical. É directora do Comité do Erhu da Sociedade Nacional de Orquestras Tradicionais da China e leciona actualmente no Conservatório de Xangai. Ao longo dos anos recebeu inúmeros prémios e em 2018 foi nomeada Revelação Musical do Ano. Em 2019 foi bolseira da Fundação Nacional das Artes para Jovens e actuou no concerto a solo “Diálogo entre Melodia Chinesa e Sinfonia”. Em 2020 andou em digressão pela China com o seu Recital de Erhu tendo recebido grandes elogios da crítica.

Sun Ying (Pipa)

Sun Ying é membro da Sociedade Nacional de Orquestras Tradicionais, na qual integra o Comité de Pipa, e é intérprete convidada do Centro Nacional de Artes Performativas (NCPA).  Tendo concluído uma pós-graduação, desde 2012 que Sun colabora com a orquestra da NCPA, tendo gravado inúmeras bandas sonoras de filmes e séries de televisão. De 2016 a 2018, Sun actuou como solista na Gala do Festival de Primavera da CCTV tendo também gravado um solo de pipa num espectáculo para os Jogos Olímpicos de Inverno Pyeongchang 2018. Em anos recentes, Sun deu uma série de recitais em Pequim e andou em digressões pela África do Sul, Finlândia, Austrália, Japão entre muitos outros países, levando os sons da pipa e da música tradicional chinesa por esse mundo fora.

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