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Grande Auditório  07.01.2023  Sáb 20:00

PROGRAMA

Guitarra e Erhu
Ren Guang: Nuvens de Prata Perseguindo a Lua
Chen Gang e He Zhanhao: Excertos de Amantes Borboleta

Guitarra a solo
Música Tradicional Chinesa : Uma Noite Estrelada no Rio Primavera
Xu Changjun: Dança da Espada
Juan Martín: Zambra Mora
Juan Martín: La Feria

INTERVALO

Guitarra a solo
Liu Tieshan e Mao Yuan: Dança Yao
Yang Xuefei: Fantasia Xinjiang

Guitarra e Pipa
Música Tradicional Chinesa, com arranjos de Benjamin Lim Yi: Três Variações de Ameixoeiras em Flor
Béla Bartók: Danças Folclóricas Romenas
Benjamin Lim Yi: Dança Flamenca

Guitarra, Erhu e Pipa
Lou Shuhua: Canção do Pescador ao Luar

Erhu: Lu Yiwen
Pipa: Sun Ying
YANGgguitarraD ESBOCd

Para que tenhamos todos um bom espectáculo, por favor desligue o seu telemóvel e outros aparelhos que emitam som ou luz. Lembramos ainda que é proibida a recolha de som ou imagens, bem como comer e beber. Obrigado!
Duração: Aproximadamente 110 minutos incluindo um intervalo de 20 minutos. Os retardatários só serão admitidos quando não perturbarem o desenrolar do programa.
The organizer reserves the right to alter the programme and/or performers.

Esboços da China

Este concerto está estruturado em quatro secções e uma coda. Visto que envolve solos, duetos (em diferentes combinações instrumentais) e um trio final, a divisão tem o significado prático de facilitar as entradas e saídas do palco.

Contudo, e ao mesmo tempo, cada sequência programática oferece-nos motivos de reflexão, ao atravessar o mundo da música, de Oriente a Ocidente. Talvez a palavra “capítulo” seja mais apropriada, cada qual transmitindo um traço e uma narrativa distintos, entrelaçados com ligações (em múltiplas direcções) que contêm uma história mais ampla.

I.

Apesar de começarmos na China, as duas peças — Nuvens de Prata Perseguindo a Lua, de Ren Guang, e Amantes Borboleta, composição conjunta de Chen Gang e He Zhanhao — tiveram origem em circunstâncias bastante distintas, oferecendo, em conjunto, um vislumbre da história chinesa moderna pré e pós 1949.

Ren Guang (1900–1941) foi um dos primeiros “profissionais da música” na indústria chinesa das artes performativas. Em 1928, depois de regressar dos seus estudos em Paris, trabalhou na sede da produtora Pathé em Shanghai (a predecessora da EMI Records), fomentando o desenvolvimento local da música chinesa.
Nuvens de Prata Perseguindo a Lua é mais uma adaptação (arranjada por Ren e lançada em 1935 numa gravação de ensemble instrumental chinês) do que uma composição per se, visto que a sua melodia era já popular na região de Guangdong, desde o final da dinastia Qing. Ainda assim, a distinta sonoridade expansiva da frase introdutória (abarcando mais do que uma oitava) tornou a composição uma favorita entre pianistas, quartetos de cordas, bem como orquestras. Ren juntou-se ao Novo Quarto Exército durante a guerra contra o Japão e contou-se entre os mártires assassinados pelas tropas do Kuomintang, durante o Incidente de Wannan. Contudo, o seu legado é ainda hoje evidente: foi mentor de Nie Er, que compôs o hino nacional da República Popular da China, primeiramente gravado no estúdio da Pathé, em Maio de 1935.

De todos os pontos de viragem históricos, a estreia mundial do concerto
Amantes Borboleta, composto por He Zhanhao (n. 1933) e Chen Gang (n. 1935) como parte da celebração do décimo aniversário da fundação da nação, tornou-se uma sensação da noite para o dia. Popular durante vários anos na rádio nacional, este concerto foi louvado como um símbolo do sentimento anti-feudal, dando testemunho às mulheres que “sustentavam metade do céu”. Originalmente um concerto para violino, a peça manteve o seu esplendor original em várias adaptações para uma vasta gama de instrumentos a solo, mas o arranjo de Yang para guitarra e erhu preserva a beleza da tragédia romântica, por meio de excertos líricos de um contexto mais próximo da música de câmara. O erhu, um instrumento bem mais “sensível” do que o violino, é virtuoso, mas, além disso, tão liricamente expressivo quanto a voz humana.

II.

A tradição literati (wenren) situa-se no âmago dos dois arranjos para guitarra solo, baseados na profunda influência que a poesia tem na música chinesa.

Uma Noite Estrelada no Rio Primavera surgiu primeiro em tablatura para pipa (com um título diferente), na dinastia Ming, mais tarde ficando associada a um poema anterior de Zhang Ruoxu, da dinastia Tang. Ainda que dando seguimento à imagética da lua do capítulo precedente, esta peça (dividida em dez pequenas secções) apresenta um equilíbrio delicado entre a natureza e a humanidade: depois da paisagem inicial com ecos de tambores vindos da torre do rio, o reflexo lunar na água é acompanhado por uma brisa suave e por sombras projectadas pelas nuvens vogantes no céu. A bonança dos barcos de pesca e do delicado rumorejar das ondas contribui para o idílio da terra fértil e da sofisticação cultural do Delta do Rio Yangtzé do antigamente.

Dança da Espada, por Xu Changjun (n. 1957), é uma obra-prima composta originalmente para o instrumento chinês liuqin (um alaúde de quatro cordas em forma de pêra, semelhante a uma pipa em miniatura), igualmente inspirada num antigo poema da dinastia Tang, desta feita de Du Fu. Combinando técnicas modernas e usando a guitarra para criar uma vasta gama de efeitos tímbricos, esta dança abre com uma lenta introdução dominada por uma singular melodia em tremolo, seguida por complexidades harmónicas e contrapontísticas intercaladas com a execução de vigorosos acordes. No final de Dança da Espada, a melodia em tremolo reemerge.

Independentemente da cultura, a música dançada é universal no que toca à libertação de energia visceral com ritmos pulsantes.
Zambra Mora é um termo flamenco que se refere a uma antiga forma de dança. “Zambra”, em castelhano antigo, sugere uma festa moura com música e algazarra. O guitarrista e compositor flamenco Juan Martín (n. 1948) vem de Málaga e edificou uma longa e bem-sucedida carreira em Inglaterra, durante muitas décadas. Há bastantes semelhanças entre Dança da Espada e Zambra Mora, com suas secções contrastantes desdobrando-se em sequência, animando o espírito dos ouvintes. Contudo, no fim, é a elegância da “pose de dança” final que impressiona a audiência — aqueles preciosos instantes em que sustemos a respiração, aguardando, com expectante alegria, pela dança seguinte. De facto, a peça que se segue, La Feria, assenta firmemente no repertório do flamenco espanhol, com os seus ritmos pulsantes a não deixar o público quieto no lugar, num final vibrante que incorpora a jovialidade de momentos festivos.

Durante o interlúdio, por favor considere sair da sala para apreciar o odor da brisa marítima, respirando essa mescla de personalidade chinesa e mediterrânica que é Macau.

III.

Dois arranjos para guitarra solo transportam-nos para regiões distantes. No espectáculo desta noite que é Esboços da China, a Dança Yao é originária do norte da província de Guangdong, enquanto Fantasia Xinjiang explora o vasto Noroeste. Com o estabelecimento da Nova China em 1949, os estudantes de conservatório eram encorajados a recolher e incorporar material do folclore como inspiração criativa. Nos círculos académicos, o compositor húngaro Béla Bartók (1881–1945) era amplamente elogiado, tanto pelas suas canções folk, resultantes de uma recolha no campo, como pela sua moderna linguagem compositiva inspirada no folclore, cimentando as suas credenciais artísticas como um homem do povo.

Dança Yao, escrita por Liu Tieshan (n. 1923) e orquestrada por Mao Yuan (n. 1926), teve inspiração inicial na forma de dança com tambores longos do povo Yao (uma das 55 minorias nacionais que compõem a população chinesa), que Liu encontrou durante o seu trabalho de campo musical. Desde o início da década de 1950, esta obra é considerada um clássico chinês de orquestra, tocada em todo o mundo. Os ritmos inaugurativos, reminiscentes do toque lento do tambor, transportam-nos para um festival de dança na vila. À medida que a energia se intensifica, revivemos a animação das danças que encontrámos antes do interlúdio.

Fantasia Xinjiang, que inclui quatro canções populares, foi escrita por Yang Xuefei. As fantasias têm sido a base da música clássica ocidental desde o século XVI, tocadas originalmente em alaúde ou nas primeiras adaptações polifónicas vocais para teclas, proporcionando aos instrumentistas uma forma de fazer música em casa. Yang Xuefei cita quatro temas populares neste trabalho, ligando-os com inventivos prelúdios e interlúdios, oferecendo coloridos retratos de pessoas, evocando paisagens de desertos e cadeias montanhosas.

IV.

O capítulo final conjuga dois instrumentos de corda percutida que são primos distantes, separados pela geografia e pelo tempo, com cada peça acentuando as semelhanças e contrastes inerentes que existem entre eles. O compositor singapuriano Benjamin Lim Yi (n. 1984) apresenta um arranjo de Três Variações de Ameixoeira em Flor, obra que tem raízes numa antiga tablatura para o guqin chinês, apesar de a versão original ter sido destinada à flauta de bambu chinesa. É provavelmente a primeira composição musical em louvor à ameixoeira em flor, que é reverenciada pela sua pureza e resiliência frente ao gelo invernoso. A cópia mais antiga conhecida desta obra data de 1495 e tem impressionado vários musicólogos pela técnica formal de variação que aplica. Além da harmonia, os dois instrumentos criam um verdadeiro “diálogo”, que se estende muito além da instrumentação a solo original.

O arranjo de Yang Xuefei das
Danças Folclóricas Romenas de Bartók baseia-se largamente nas sonoridades percutidas dos dois instrumentos, remetendo para material original do folclore da Transilvânia, que o compositor húngaro recolheu antes da Primeira Guerra Mundial. A universalidade da música dançada e das melodias folk — executadas por guitarra e pipa — é testamento de que a música é a destilação da cultura em sonoridade. Não raras vezes, podemos encontrar interconexões que atravessam continentes. A música de Bartók faz uso de modos e escalas, alguns dos quais remetem para a Ásia.

É também adequado que o dueto de guitarra e
pipa apresente uma obra contemporânea especificamente composta para essa combinação. A recente Dança Flamenca de Benjamin Lim Yi presta homenagem à icónica tradição espanhola, remetendo para as composições a solo de Martín e Peña neste programa. Ao mesmo tempo, esta nova obra de um compositor asiático relembra-nos de como os estilos nacionais se imiscuem nesta nossa vila global do século XXI.

Coda

Para finalizar em grande, as três instrumentistas aparecem em conjunto no palco para interpretarem a Canção do Pescador ao Luar, de Lou Shuhua (1907–1952). Um virtuoso do guzheng no período entre guerras, Lou contava-se entre um grupo de artistas chineses que participaram numa tour europeia em 1935, estabelecendo pontes de comunicação musical entre continentes. Depois do regresso à China, Lou foi convidado pela Pathé para uma gravação, acontecimento que o liga directamente a Ren Guang, compositor de Nuvens de Prata Perseguindo a Lua. Lou compôs a Canção do Pescador ao Luar (uma adaptação inspirada numa composição antiga) entre 1938 e 1939, representando a serenidade e alegria de vida no mar e o sossego da noite.

Desejamos-vos uma noite fantástica!

Notas ao programa em chinês e inglês fornecidas por Dra. Joanna C. Lee

Yang Xuefei
Guitarra

Yang Xuefei é uma das melhores guitarristas clássicas do mundo e também a primeira artista chinesa a enveredar por uma carreira internacional com este instrumento. A revista de música britânica Classic FM colocou o nome de Yang Xuefei entre os 100 melhores músicos clássicos do nosso tempo e em 2019 apareceu na capa da revista Classical Guitar Magazine pela terceira vez. Agora sediada no Reino Unido, Yang é reconhecida enquanto solista e artista de câmara, tendo actuado em mais de 50 países na América, Europa e Ásia e colaborado com artistas prestigiados como o tenor Ian Bostridge. Convidada frequente de algumas das orquestras mundiais de topo, Yang é directora artística do Festival Internacional de Guitarra de Changsha desde 2015.

Lu Yiwen
Erhu

Lu Yiwen é uma das mais conhecidas intérpretes de erhu da China. Actualmente a leccionar este instrumento no Conservatório de Música de Xangai, ao longo dos anos Yiwen tem sido distinguida com os prémios de maior prestígio, graças a uma técnica refinada e alto potencial artístico que a levaram a actuar nas mais importantes esferas musicais em todo o mundo. Colaborou extensivamente com grandes orquestras, ensembles e solistas, actuando em concertos altamente reconhecidos em inúmeros países, do Antártico, América e Europa, passando pela Ásia e pela África. Combinando tradição instrumental e poética com sons mais contemporâneos, nos seus concertos Yiwen inclui frequente as suas próprias composições e transcrições.

Sun Ying
Pipa

Sun Ying é membro da Sociedade Nacional de Orquestras Tradicionais, na qual integra o Comité de Pipa, e é intérprete convidada do Centro Nacional de Artes Performativas (NCPA). Tendo concluído uma pós-graduação, desde 2012 que Sun colabora com a orquestra da NCPA, tendo gravado inúmeras bandas sonoras de filmes e séries de televisão. De 2016 a 2018, Sun actuou como solista na Gala do Festival de Primavera da CCTV tendo também gravado um solo de pipa num espectáculo para os Jogos Olímpicos de Inverno Pyeongchang 2018. Em anos recentes, Sun deu uma série de recitais em Pequim e andou em digressões pela África do Sul, Finlândia, Austrália, Japão entre muitos outros países, levando os sons da pipa e da música tradicional chinesa ao resto do mundo.

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Grande Auditório  
07.01.2023  Sáb 20:00

Erhu: Lu Yiwen
Pipa: Sun Ying

Para que tenhamos todos um bom espectáculo, por favor desligue o seu telemóvel e outros aparelhos que emitam som ou luz. Lembramos ainda que é proibida a recolha de som ou imagens, bem como comer e beber. Obrigado!

Duração: Aproximadamente 110 minutos incluindo um intervalo de 20 minutos. Os retardatários só serão admitidos quando não perturbarem o desenrolar do
programa.

A organização reserva-se o direito de alterar o programa e/ou artistas.

YANGgguitarraM ESBOCm
2011xy4 - Neil MuirMOB 21MOB 4MOB 2011xy6 - Neil MuirMOB

PROGRAMA

Guitarra e Erhu
Ren Guang: Nuvens de Prata Perseguindo a Lua
Chen Gang e He Zhanhao: Excertos de Amantes
Borboleta

Guitarra a solo
Música Tradicional Chinesa : Uma Noite Estrelada
no Rio Primavera
Xu Changjun: Dança da Espada
Juan Martín: Zambra Mora
Juan Martín: La Feria

INTERVALO

Guitarra a solo
Liu Tieshan e Mao Yuan: Dança Yao
Yang Xuefei: Fantasia Xinjiang

Guitarra e Pipa
Música Tradicional Chinesa, com arranjos de
Benjamin Lim Yi
: Três Variações de Ameixoeiras
em Flor
Béla Bartók: Danças Folclóricas Romenas
Benjamin Lim Yi: Dança Flamenca

Guitarra, Erhu e Pipa
Lou Shuhua: Canção do Pescador ao Luar

Esboços da China

Este concerto está estruturado em quatro secções e uma coda. Visto que envolve solos, duetos (em diferentes combinações instrumentais) e um trio final, a divisão tem o significado prático de facilitar as entradas e saídas do palco.

Contudo, e ao mesmo tempo, cada sequência programática oferece-nos motivos de reflexão, ao atravessar o mundo da música, de Oriente a Ocidente. Talvez a palavra “capítulo” seja mais apropriada, cada qual transmitindo um traço e uma narrativa distintos, entrelaçados com ligações (em múltiplas direcções) que contêm uma história mais ampla.

I.

Apesar de começarmos na China, as duas peças — Nuvens de Prata Perseguindo a Lua, de Ren Guang, e Amantes Borboleta, composição conjunta de Chen Gang e He Zhanhao — tiveram origem em circunstâncias bastante distintas, oferecendo, em conjunto, um vislumbre da história chinesa moderna pré e pós 1949.

Ren Guang (1900–1941) foi um dos primeiros “profissionais da música” na indústria chinesa das artes performativas. Em 1928, depois de regressar dos seus estudos em Paris, trabalhou na sede da produtora Pathé em Shanghai (a predecessora da EMI Records), fomentando o desenvolvimento local da música chinesa.
Nuvens de Prata Perseguindo a Lua é mais uma adaptação (arranjada por Ren e lançada em 1935 numa gravação de ensemble instrumental chinês) do que uma composição per se, visto que a sua melodia era já popular na região de Guangdong, desde o final da dinastia Qing. Ainda assim, a distinta sonoridade expansiva da frase introdutória (abarcando mais do que uma oitava) tornou a composição uma favorita entre pianistas, quartetos de cordas, bem como orquestras. Ren juntou-se ao Novo Quarto Exército durante a guerra contra o Japão e contou-se entre os mártires assassinados pelas tropas do Kuomintang, durante o Incidente de Wannan. Contudo, o seu legado é ainda hoje evidente: foi mentor de Nie Er, que compôs o hino nacional da República Popular da China, primeiramente gravado no estúdio da Pathé, em Maio de 1935.

De todos os pontos de viragem históricos, a estreia mundial do concerto
Amantes Borboleta, composto por He Zhanhao (n. 1933) e Chen Gang (n. 1935) como parte da celebração do décimo aniversário da fundação da nação, tornou-se uma sensação da noite para o dia. Popular durante vários anos na rádio nacional, este concerto foi louvado como um símbolo do sentimento anti-feudal, dando testemunho às mulheres que “sustentavam metade do céu”. Originalmente um concerto para violino, a peça manteve o seu esplendor original em várias adaptações para uma vasta gama de instrumentos a solo, mas o arranjo de Yang para guitarra e erhu preserva a beleza da tragédia romântica, por meio de excertos líricos de um contexto mais próximo da música de câmara. O erhu, um instrumento bem mais “sensível” do que o violino, é virtuoso, mas, além disso, tão liricamente expressivo quanto a voz humana.

II.

A tradição literati (wenren) situa-se no âmago dos dois arranjos para guitarra solo, baseados na profunda influência que a poesia tem na música chinesa.

Uma Noite Estrelada no Rio Primavera surgiu primeiro em tablatura para pipa (com um título diferente), na dinastia Ming, mais tarde ficando associada a um poema anterior de Zhang Ruoxu, da dinastia Tang. Ainda que dando seguimento à imagética da lua do capítulo precedente, esta peça (dividida em dez pequenas secções) apresenta um equilíbrio delicado entre a natureza e a humanidade: depois da paisagem inicial com ecos de tambores vindos da torre do rio, o reflexo lunar na água é acompanhado por uma brisa suave e por sombras projectadas pelas nuvens vogantes no céu. A bonança dos barcos de pesca e do delicado rumorejar das ondas contribui para o idílio da terra fértil e da sofisticação cultural do Delta do Rio Yangtzé do antigamente.

Dança da Espada, por Xu Changjun (n. 1957), é uma obra-prima composta originalmente para o instrumento chinês liuqin (um alaúde de quatro cordas em forma de pêra, semelhante a uma pipa em miniatura), igualmente inspirada num antigo poema da dinastia Tang, desta feita de Du Fu. Combinando técnicas modernas e usando a guitarra para criar uma vasta gama de efeitos tímbricos, esta dança abre com uma lenta introdução dominada por uma singular melodia em tremolo, seguida por complexidades harmónicas e contrapontísticas intercaladas com a execução de vigorosos acordes. No final de Dança da Espada, a melodia em tremolo reemerge.

Independentemente da cultura, a música dançada é universal no que toca à libertação de energia visceral com ritmos pulsantes.
Zambra Mora é um termo flamenco que se refere a uma antiga forma de dança. “Zambra”, em castelhano antigo, sugere uma festa moura com música e algazarra. O guitarrista e compositor flamenco Juan Martín (n. 1948) vem de Málaga e edificou uma longa e bem-sucedida carreira em Inglaterra, durante muitas décadas. Há bastantes semelhanças entre Dança da Espada e Zambra Mora, com suas secções contrastantes desdobrando-se em sequência, animando o espírito dos ouvintes. Contudo, no fim, é a elegância da “pose de dança” final que impressiona a audiência — aqueles preciosos instantes em que sustemos a respiração, aguardando, com expectante alegria, pela dança seguinte. De facto, a peça que se segue, La Feria, assenta firmemente no repertório do flamenco espanhol, com os seus ritmos pulsantes a não deixar o público quieto no lugar, num final vibrante que incorpora a jovialidade de momentos festivos.

Durante o interlúdio, por favor considere sair da sala para apreciar o odor da brisa marítima, respirando essa mescla de personalidade chinesa e mediterrânica que é Macau.

III.

Dois arranjos para guitarra solo transportam-nos para regiões distantes. No espectáculo desta noite que é Esboços da China, a Dança Yao é originária do norte da província de Guangdong, enquanto Fantasia Xinjiang explora o vasto Noroeste. Com o estabelecimento da Nova China em 1949, os estudantes de conservatório eram encorajados a recolher e incorporar material do folclore como inspiração criativa. Nos círculos académicos, o compositor húngaro Béla Bartók (1881–1945) era amplamente elogiado, tanto pelas suas canções folk, resultantes de uma recolha no campo, como pela sua moderna linguagem compositiva inspirada no folclore, cimentando as suas credenciais artísticas como um homem do povo.

Dança Yao, escrita por Liu Tieshan (n. 1923) e orquestrada por Mao Yuan (n. 1926), teve inspiração inicial na forma de dança com tambores longos do povo Yao (uma das 55 minorias nacionais que compõem a população chinesa), que Liu encontrou durante o seu trabalho de campo musical. Desde o início da década de 1950, esta obra é considerada um clássico chinês de orquestra, tocada em todo o mundo. Os ritmos inaugurativos, reminiscentes do toque lento do tambor, transportam-nos para um festival de dança na vila. À medida que a energia se intensifica, revivemos a animação das danças que encontrámos antes do interlúdio.

Fantasia Xinjiang, que inclui quatro canções populares, foi escrita por Yang Xuefei. As fantasias têm sido a base da música clássica ocidental desde o século XVI, tocadas originalmente em alaúde ou nas primeiras adaptações polifónicas vocais para teclas, proporcionando aos instrumentistas uma forma de fazer música em casa. Yang Xuefei cita quatro temas populares neste trabalho, ligando-os com inventivos prelúdios e interlúdios, oferecendo coloridos retratos de pessoas, evocando paisagens de desertos e cadeias montanhosas.

IV.

O capítulo final conjuga dois instrumentos de corda percutida que são primos distantes, separados pela geografia e pelo tempo, com cada peça acentuando as semelhanças e contrastes inerentes que existem entre eles. O compositor singapuriano Benjamin Lim Yi (n. 1984) apresenta um arranjo de Três Variações de Ameixoeira em Flor, obra que tem raízes numa antiga tablatura para o guqin chinês, apesar de a versão original ter sido destinada à flauta de bambu chinesa. É provavelmente a primeira composição musical em louvor à ameixoeira em flor, que é reverenciada pela sua pureza e resiliência frente ao gelo invernoso. A cópia mais antiga conhecida desta obra data de 1495 e tem impressionado vários musicólogos pela técnica formal de variação que aplica. Além da harmonia, os dois instrumentos criam um verdadeiro “diálogo”, que se estende muito além da instrumentação a solo original.

O arranjo de Yang Xuefei das
Danças Folclóricas Romenas de Bartók baseia-se largamente nas sonoridades percutidas dos dois instrumentos, remetendo para material original do folclore da Transilvânia, que o compositor húngaro recolheu antes da Primeira Guerra Mundial. A universalidade da música dançada e das melodias folk — executadas por guitarra e pipa — é testamento de que a música é a destilação da cultura em sonoridade. Não raras vezes, podemos encontrar interconexões que atravessam continentes. A música de Bartók faz uso de modos e escalas, alguns dos quais remetem para a Ásia.

É também adequado que o dueto de guitarra e pipa apresente uma obra contemporânea especificamente composta para essa combinação. A recente
Dança Flamenca de Benjamin Lim Yi presta homenagem à icónica tradição espanhola, remetendo para as composições a solo de Martín e Peña neste programa. Ao mesmo tempo, esta nova obra de um compositor asiático relembra-nos de como os estilos nacionais se imiscuem nesta nossa vila global do século XXI.

Coda

Para finalizar em grande, as três instrumentistas aparecem em conjunto no palco para interpretarem a Canção do Pescador ao Luar, de Lou Shuhua (1907–1952). Um virtuoso do guzheng no período entre guerras, Lou contava-se entre um grupo de artistas chineses que participaram numa tour europeia em 1935, estabelecendo pontes de comunicação musical entre continentes. Depois do regresso à China, Lou foi convidado pela Pathé para uma gravação, acontecimento que o liga directamente a Ren Guang, compositor de Nuvens de Prata Perseguindo a Lua. Lou compôs a Canção do Pescador ao Luar (uma adaptação inspirada numa composição antiga) entre 1938 e 1939, representando a serenidade e alegria de vida no mar e o sossego da noite.

Desejamos-vos uma noite fantástica!

Notas ao programa em chinês e inglês fornecidas por Dra. Joanna C. Lee

Yang Xuefei
Guitarra

Yang Xuefei é uma das melhores guitarristas clássicas do mundo e também a primeira artista chinesa a enveredar por uma carreira internacional com este instrumento. A revista de música britânica Classic FM colocou o nome de Yang Xuefei entre os 100 melhores músicos clássicos do nosso tempo e em 2019 apareceu na capa da revista Classical Guitar Magazine pela terceira vez. Agora sediada no Reino Unido, Yang é reconhecida enquanto solista e artista de câmara, tendo actuado em mais de 50 países na América, Europa e Ásia e colaborado com artistas prestigiados como o tenor Ian Bostridge. Convidada frequente de algumas das orquestras mundiais de topo, Yang é directora artística do Festival Internacional de Guitarra de Changsha desde 2015.

Lu Yiwen
Erhu

Lu Yiwen é uma das mais conhecidas intérpretes de erhu da China. Actualmente a leccionar este instrumento no Conservatório de Música de Xangai, ao longo dos anos Yiwen tem sido distinguida com os prémios de maior prestígio, graças a uma técnica refinada e alto potencial artístico que a levaram a actuar nas mais importantes esferas musicais em todo o mundo. Colaborou extensivamente com grandes orquestras, ensembles e solistas, actuando em concertos altamente reconhecidos em inúmeros países, do Antártico, América e Europa, passando pela Ásia e pela África. Combinando tradição instrumental e poética com sons mais contemporâneos, nos seus concertos Yiwen inclui frequente as suas próprias composições e transcrições.

Sun Ying
Pipa

Sun Ying é membro da Sociedade Nacional de Orquestras Tradicionais, na qual integra o Comité de Pipa, e é intérprete convidada do Centro Nacional de Artes Performativas (NCPA). Tendo concluído uma pós-graduação, desde 2012 que Sun colabora com a orquestra da NCPA, tendo gravado inúmeras bandas sonoras de filmes e séries de televisão. De 2016 a 2018, Sun actuou como solista na Gala do Festival de Primavera da CCTV tendo também gravado um solo de pipa num espectáculo para os Jogos Olímpicos de Inverno Pyeongchang 2018. Em anos recentes, Sun deu uma série de recitais em Pequim e andou em digressões pela África do Sul, Finlândia, Austrália, Japão entre muitos outros países, levando os sons da pipa e da música tradicional chinesa ao resto do mundo.