PROGRAMA
Guitarra e Erhu
Ren Guang: Nuvens de Prata Perseguindo a Lua
Chen Gang e He Zhanhao: Excertos de Amantes Borboleta
Guitarra a solo
Música Tradicional Chinesa : Uma Noite Estrelada no Rio Primavera
Xu Changjun: Dança da Espada
Juan Martín: Zambra Mora
Juan Martín: La Feria
INTERVALO
Guitarra a solo
Liu Tieshan e Mao Yuan: Dança Yao
Yang Xuefei: Fantasia Xinjiang
Guitarra e Pipa
Música Tradicional Chinesa, com arranjos de Benjamin Lim Yi: Três Variações de Ameixoeiras em Flor
Béla Bartók: Danças Folclóricas Romenas
Benjamin Lim Yi: Dança Flamenca
Guitarra, Erhu e Pipa
Lou Shuhua: Canção do Pescador ao Luar
Para que tenhamos todos um bom espectáculo, por favor desligue o seu telemóvel e outros aparelhos que emitam
som ou luz. Lembramos ainda que é proibida a recolha de som ou imagens, bem como comer e beber. Obrigado!
Duração:
Aproximadamente 110 minutos incluindo um intervalo de 20 minutos. Os retardatários só serão admitidos quando
não perturbarem o desenrolar do programa.
The organizer reserves the right to alter the programme
and/or performers.
Este concerto está estruturado em quatro secções e uma coda. Visto que envolve solos, duetos (em
diferentes combinações instrumentais) e um trio final, a divisão tem o significado prático de facilitar as
entradas e saídas do palco.
Contudo, e ao mesmo tempo, cada sequência programática oferece-nos
motivos de reflexão, ao atravessar o mundo da música, de Oriente a Ocidente. Talvez a palavra “capítulo”
seja mais apropriada, cada qual transmitindo um traço e uma narrativa distintos, entrelaçados com ligações
(em múltiplas direcções) que contêm uma história mais ampla.
Apesar de começarmos na China, as duas peças — Nuvens de Prata Perseguindo a Lua, de Ren Guang, e Amantes Borboleta, composição conjunta de Chen Gang e He Zhanhao — tiveram origem em circunstâncias bastante distintas,
oferecendo, em conjunto, um vislumbre da história chinesa moderna pré e pós 1949.
Ren Guang
(1900–1941) foi um dos primeiros “profissionais da música” na indústria chinesa das artes performativas.
Em 1928, depois de regressar dos seus estudos em Paris, trabalhou na sede da produtora Pathé em Shanghai
(a predecessora da EMI Records), fomentando o desenvolvimento local da música chinesa. Nuvens de Prata Perseguindo a Lua
é mais uma adaptação (arranjada por Ren e lançada em 1935 numa gravação de ensemble instrumental chinês) do que uma composição per se, visto que a sua melodia era já popular na região de Guangdong, desde o final da dinastia Qing. Ainda
assim, a distinta sonoridade expansiva da frase introdutória (abarcando mais do que uma oitava) tornou a
composição uma favorita entre pianistas, quartetos de cordas, bem como orquestras. Ren juntou-se ao Novo
Quarto Exército durante a guerra contra o Japão e contou-se entre os mártires assassinados pelas tropas
do Kuomintang, durante o Incidente de Wannan. Contudo, o seu legado é ainda hoje evidente: foi mentor de
Nie Er, que compôs o hino nacional da República Popular da China, primeiramente gravado no estúdio da
Pathé, em Maio de 1935.
De todos os pontos de viragem históricos, a estreia mundial do
concerto Amantes Borboleta, composto por He Zhanhao (n. 1933) e Chen Gang (n. 1935) como parte da celebração do décimo
aniversário da fundação da nação, tornou-se uma sensação da noite para o dia. Popular durante vários
anos na rádio nacional, este concerto foi louvado como um símbolo do sentimento anti-feudal, dando
testemunho às mulheres que “sustentavam metade do céu”. Originalmente um concerto para violino, a peça
manteve o seu esplendor original em várias adaptações para uma vasta gama de instrumentos a solo, mas o
arranjo de Yang para guitarra e erhu preserva a beleza da tragédia romântica, por meio de excertos líricos de um contexto mais próximo da
música de câmara. O erhu,
um instrumento bem mais “sensível” do que o violino, é virtuoso, mas, além disso, tão liricamente
expressivo quanto a voz humana.
A tradição literati (wenren) situa-se no âmago dos dois arranjos para guitarra solo, baseados na profunda influência que a poesia
tem na música chinesa.
Uma Noite Estrelada no Rio Primavera
surgiu primeiro em tablatura para pipa (com um título diferente), na dinastia Ming, mais tarde ficando
associada a um poema anterior de Zhang Ruoxu, da dinastia Tang. Ainda que dando seguimento à imagética
da lua do capítulo precedente, esta peça (dividida em dez pequenas secções) apresenta um equilíbrio
delicado entre a natureza e a humanidade: depois da paisagem inicial com ecos de tambores vindos da
torre do rio, o reflexo lunar na água é acompanhado por uma brisa suave e por sombras projectadas pelas
nuvens vogantes no céu. A bonança dos barcos de pesca e do delicado rumorejar das ondas contribui para o
idílio da terra fértil e da sofisticação cultural do Delta do Rio Yangtzé do antigamente.
Dança da Espada, por Xu Changjun (n. 1957), é uma obra-prima composta originalmente para o instrumento chinês liuqin
(um alaúde de quatro cordas em forma de pêra, semelhante a uma pipa
em miniatura), igualmente inspirada num antigo poema da dinastia Tang, desta feita de Du Fu. Combinando
técnicas modernas e usando a guitarra para criar uma vasta gama de efeitos tímbricos, esta dança abre
com uma lenta introdução dominada por uma singular melodia em tremolo, seguida por complexidades
harmónicas e contrapontísticas intercaladas com a execução de vigorosos acordes. No final de Dança da Espada, a melodia em tremolo reemerge.
Independentemente da cultura, a música dançada é universal
no que toca à libertação de energia visceral com ritmos pulsantes. Zambra Mora
é um termo flamenco que se refere a uma antiga forma de dança. “Zambra”, em castelhano antigo, sugere
uma festa moura com música e algazarra. O guitarrista e compositor flamenco Juan Martín (n. 1948) vem de
Málaga e edificou uma longa e bem-sucedida carreira em Inglaterra, durante muitas décadas. Há bastantes
semelhanças entre Dança da Espada e Zambra Mora, com suas secções contrastantes desdobrando-se em sequência, animando o espírito dos ouvintes.
Contudo, no fim, é a elegância da “pose de dança” final que impressiona a audiência — aqueles preciosos
instantes em que sustemos a respiração, aguardando, com expectante alegria, pela dança seguinte. De
facto, a peça que se segue, La Feria, assenta firmemente no repertório do flamenco espanhol, com os seus ritmos pulsantes a não deixar o
público quieto no lugar, num final vibrante que incorpora a jovialidade de momentos festivos.
Durante o interlúdio, por favor considere sair da sala para apreciar o odor da brisa marítima,
respirando essa mescla de personalidade chinesa e mediterrânica que é Macau.
Dois arranjos para guitarra solo transportam-nos para regiões distantes. No espectáculo desta noite que
é Esboços da China, a Dança Yao é originária do norte da província de Guangdong, enquanto Fantasia Xinjiang
explora o vasto Noroeste. Com o estabelecimento da Nova China em 1949, os estudantes de conservatório
eram encorajados a recolher e incorporar material do folclore como inspiração criativa. Nos círculos
académicos, o compositor húngaro Béla Bartók (1881–1945) era amplamente elogiado, tanto pelas suas
canções folk, resultantes de uma recolha no campo, como pela sua moderna linguagem compositiva inspirada
no folclore, cimentando as suas credenciais artísticas como um homem do povo.
Dança Yao, escrita por Liu Tieshan (n. 1923) e orquestrada por Mao Yuan (n. 1926), teve inspiração inicial na
forma de dança com tambores longos do povo Yao (uma das 55 minorias nacionais que compõem a população
chinesa), que Liu encontrou durante o seu trabalho de campo musical. Desde o início da década de 1950,
esta obra é considerada um clássico chinês de orquestra, tocada em todo o mundo. Os ritmos
inaugurativos, reminiscentes do toque lento do tambor, transportam-nos para um festival de dança na
vila. À medida que a energia se intensifica, revivemos a animação das danças que encontrámos antes do
interlúdio.
Fantasia Xinjiang, que inclui quatro canções populares, foi escrita por Yang Xuefei. As fantasias têm sido a base da
música clássica ocidental desde o século XVI, tocadas originalmente em alaúde ou nas primeiras
adaptações polifónicas vocais para teclas, proporcionando aos instrumentistas uma forma de fazer música
em casa. Yang Xuefei cita quatro temas populares neste trabalho, ligando-os com inventivos prelúdios e
interlúdios, oferecendo coloridos retratos de pessoas, evocando paisagens de desertos e cadeias
montanhosas.
O capítulo final conjuga dois instrumentos de corda percutida que são primos distantes, separados pela
geografia e pelo tempo, com cada peça acentuando as semelhanças e contrastes inerentes que existem entre
eles. O compositor singapuriano Benjamin Lim Yi (n. 1984) apresenta um arranjo de Três Variações de Ameixoeira em Flor, obra que tem raízes numa antiga tablatura para o guqin
chinês, apesar de a versão original ter sido destinada à flauta de bambu chinesa. É provavelmente a
primeira composição musical em louvor à ameixoeira em flor, que é reverenciada pela sua pureza e
resiliência frente ao gelo invernoso. A cópia mais antiga conhecida desta obra data de 1495 e tem
impressionado vários musicólogos pela técnica formal de variação que aplica. Além da harmonia, os dois
instrumentos criam um verdadeiro “diálogo”, que se estende muito além da instrumentação a solo
original.
O arranjo de Yang Xuefei das Danças Folclóricas Romenas
de Bartók baseia-se largamente nas sonoridades percutidas dos dois instrumentos, remetendo para material
original do folclore da Transilvânia, que o compositor húngaro recolheu antes da Primeira Guerra
Mundial. A universalidade da música dançada e das melodias folk
— executadas por guitarra e pipa — é testamento de que a música é a destilação da cultura em sonoridade.
Não raras vezes, podemos encontrar interconexões que atravessam continentes. A música de Bartók faz uso
de modos e escalas, alguns dos quais remetem para a Ásia.
É também adequado que o dueto de
guitarra e pipa
apresente uma obra contemporânea especificamente composta para essa combinação. A recente Dança Flamenca
de Benjamin Lim Yi presta homenagem à icónica tradição espanhola, remetendo para as composições a solo
de Martín e Peña neste programa. Ao mesmo tempo, esta nova obra de um compositor asiático relembra-nos
de como os estilos nacionais se imiscuem nesta nossa vila global do século XXI.
Para finalizar em grande, as três instrumentistas aparecem em conjunto no palco para interpretarem a Canção do Pescador ao Luar, de Lou Shuhua (1907–1952). Um virtuoso do guzheng
no período entre guerras, Lou contava-se entre um grupo de artistas chineses que participaram numa tour
europeia em 1935, estabelecendo pontes de comunicação musical entre continentes. Depois do regresso à
China, Lou foi convidado pela Pathé para uma gravação, acontecimento que o liga directamente a Ren
Guang, compositor de Nuvens de Prata Perseguindo a Lua. Lou compôs a Canção do Pescador ao Luar (uma adaptação inspirada numa composição antiga) entre 1938 e 1939, representando a serenidade e
alegria de vida no mar e o sossego da noite.
Desejamos-vos uma noite fantástica!
Notas ao programa em chinês e inglês fornecidas por Dra. Joanna C. Lee
Yang Xuefei é uma das melhores guitarristas clássicas do mundo e também a primeira artista chinesa a enveredar por uma carreira internacional com este instrumento. A revista de música britânica Classic FM colocou o nome de Yang Xuefei entre os 100 melhores músicos clássicos do nosso tempo e em 2019 apareceu na capa da revista Classical Guitar Magazine pela terceira vez. Agora sediada no Reino Unido, Yang é reconhecida enquanto solista e artista de câmara, tendo actuado em mais de 50 países na América, Europa e Ásia e colaborado com artistas prestigiados como o tenor Ian Bostridge. Convidada frequente de algumas das orquestras mundiais de topo, Yang é directora artística do Festival Internacional de Guitarra de Changsha desde 2015.
Lu Yiwen é uma das mais conhecidas intérpretes de erhu da China. Actualmente a leccionar este instrumento no Conservatório de Música de Xangai, ao longo dos anos Yiwen tem sido distinguida com os prémios de maior prestígio, graças a uma técnica refinada e alto potencial artístico que a levaram a actuar nas mais importantes esferas musicais em todo o mundo. Colaborou extensivamente com grandes orquestras, ensembles e solistas, actuando em concertos altamente reconhecidos em inúmeros países, do Antártico, América e Europa, passando pela Ásia e pela África. Combinando tradição instrumental e poética com sons mais contemporâneos, nos seus concertos Yiwen inclui frequente as suas próprias composições e transcrições.
Grande Auditório
07.01.2023 Sáb 20:00
Para que tenhamos todos um bom espectáculo, por favor desligue o seu telemóvel e outros aparelhos que emitam
som ou luz. Lembramos ainda que é proibida a recolha de som ou imagens, bem como comer e beber. Obrigado!
Duração:
Aproximadamente 110 minutos incluindo um intervalo de 20 minutos. Os retardatários só serão admitidos quando
não perturbarem o desenrolar do
programa.
A organização reserva-se o direito de alterar o
programa e/ou artistas.
PROGRAMA
Guitarra e Erhu
Ren Guang: Nuvens de Prata Perseguindo a Lua
Chen Gang e He Zhanhao: Excertos de Amantes
Borboleta
Guitarra a solo
Música Tradicional Chinesa : Uma Noite Estrelada
no Rio Primavera
Xu Changjun: Dança da Espada
Juan Martín: Zambra Mora
Juan Martín: La Feria
INTERVALO
Guitarra a solo
Liu Tieshan e Mao Yuan: Dança Yao
Yang Xuefei: Fantasia Xinjiang
Guitarra e Pipa
Música Tradicional Chinesa, com arranjos de
Benjamin Lim Yi: Três Variações de Ameixoeiras
em Flor
Béla Bartók: Danças Folclóricas Romenas
Benjamin Lim Yi: Dança Flamenca
Guitarra, Erhu e Pipa
Lou Shuhua: Canção do Pescador ao Luar
Este concerto está estruturado em quatro secções e uma coda. Visto que envolve solos, duetos (em
diferentes combinações instrumentais) e um trio final, a divisão tem o significado prático de facilitar as
entradas e saídas do palco.
Contudo, e ao mesmo tempo, cada sequência programática oferece-nos
motivos de reflexão, ao atravessar o mundo da música, de Oriente a Ocidente. Talvez a palavra “capítulo”
seja mais apropriada, cada qual transmitindo um traço e uma narrativa distintos, entrelaçados com ligações
(em múltiplas direcções) que contêm uma história mais ampla.
Apesar de começarmos na China, as duas peças — Nuvens de Prata Perseguindo a Lua, de Ren Guang, e Amantes Borboleta, composição conjunta de Chen Gang e He Zhanhao — tiveram origem em circunstâncias bastante distintas,
oferecendo, em conjunto, um vislumbre da história chinesa moderna pré e pós 1949.
Ren Guang
(1900–1941) foi um dos primeiros “profissionais da música” na indústria chinesa das artes performativas.
Em 1928, depois de regressar dos seus estudos em Paris, trabalhou na sede da produtora Pathé em Shanghai
(a predecessora da EMI Records), fomentando o desenvolvimento local da música chinesa. Nuvens de Prata Perseguindo a Lua
é mais uma adaptação (arranjada por Ren e lançada em 1935 numa gravação de ensemble instrumental chinês) do que uma composição per se, visto que a sua melodia era já popular na região de Guangdong, desde o final da dinastia Qing. Ainda
assim, a distinta sonoridade expansiva da frase introdutória (abarcando mais do que uma oitava) tornou a
composição uma favorita entre pianistas, quartetos de cordas, bem como orquestras. Ren juntou-se ao Novo
Quarto Exército durante a guerra contra o Japão e contou-se entre os mártires assassinados pelas tropas
do Kuomintang, durante o Incidente de Wannan. Contudo, o seu legado é ainda hoje evidente: foi mentor de
Nie Er, que compôs o hino nacional da República Popular da China, primeiramente gravado no estúdio da
Pathé, em Maio de 1935.
De todos os pontos de viragem históricos, a estreia mundial do
concerto Amantes Borboleta, composto por He Zhanhao (n. 1933) e Chen Gang (n. 1935) como parte da celebração do décimo
aniversário da fundação da nação, tornou-se uma sensação da noite para o dia. Popular durante vários
anos na rádio nacional, este concerto foi louvado como um símbolo do sentimento anti-feudal, dando
testemunho às mulheres que “sustentavam metade do céu”. Originalmente um concerto para violino, a peça
manteve o seu esplendor original em várias adaptações para uma vasta gama de instrumentos a solo, mas o
arranjo de Yang para guitarra e erhu preserva a beleza da tragédia romântica, por meio de excertos líricos de um contexto mais próximo da
música de câmara. O erhu,
um instrumento bem mais “sensível” do que o violino, é virtuoso, mas, além disso, tão liricamente
expressivo quanto a voz humana.
A tradição literati (wenren) situa-se no âmago dos dois arranjos para guitarra solo, baseados na
profunda influência que a poesia tem na música chinesa.
Uma Noite Estrelada no Rio Primavera
surgiu primeiro em tablatura para pipa (com um título diferente), na dinastia Ming, mais tarde ficando
associada a um poema anterior de Zhang Ruoxu, da dinastia Tang. Ainda que dando seguimento à imagética
da lua do capítulo precedente, esta peça (dividida em dez pequenas secções) apresenta um equilíbrio
delicado entre a natureza e a humanidade: depois da paisagem inicial com ecos de tambores vindos da
torre do rio, o reflexo lunar na água é acompanhado por uma brisa suave e por sombras projectadas pelas
nuvens vogantes no céu. A bonança dos barcos de pesca e do delicado rumorejar das ondas contribui para o
idílio da terra fértil e da sofisticação cultural do Delta do Rio Yangtzé do antigamente.
Dança da Espada, por Xu Changjun (n. 1957), é uma obra-prima composta originalmente para o instrumento chinês liuqin
(um alaúde de quatro cordas em forma de pêra, semelhante a uma pipa em miniatura), igualmente inspirada
num antigo poema da dinastia Tang, desta feita de Du Fu. Combinando técnicas modernas e usando a
guitarra para criar uma vasta gama de efeitos tímbricos, esta dança abre com uma lenta introdução
dominada por uma singular melodia em tremolo, seguida por complexidades harmónicas e contrapontísticas
intercaladas com a execução de vigorosos acordes. No final de Dança da Espada,
a melodia em tremolo reemerge.
Independentemente da cultura, a música dançada é universal no
que toca à libertação de energia visceral com ritmos pulsantes. Zambra Mora
é um termo flamenco que se refere a uma antiga forma de dança. “Zambra”, em castelhano antigo, sugere
uma festa moura com música e algazarra. O guitarrista e compositor flamenco Juan Martín (n. 1948) vem de
Málaga e edificou uma longa e bem-sucedida carreira em Inglaterra, durante muitas décadas. Há bastantes
semelhanças entre Dança da Espada e Zambra Mora, com suas secções contrastantes desdobrando-se em sequência, animando o espírito dos ouvintes.
Contudo, no fim, é a elegância da “pose de dança” final que impressiona a audiência — aqueles preciosos
instantes em que sustemos a respiração, aguardando, com expectante alegria, pela dança seguinte. De
facto, a peça que se segue, La Feria, assenta firmemente no repertório do flamenco espanhol, com os seus ritmos pulsantes a não deixar o
público quieto no lugar, num final vibrante que incorpora a jovialidade de momentos festivos.
Durante
o interlúdio, por favor considere sair da sala para apreciar o odor da brisa marítima, respirando essa
mescla de personalidade chinesa e mediterrânica que é Macau.
Dois arranjos para guitarra solo transportam-nos para regiões distantes. No espectáculo desta noite que
é Esboços da China, a Dança Yao é originária do norte da província de Guangdong, enquanto Fantasia Xinjiang
explora o vasto Noroeste. Com o estabelecimento da Nova China em 1949, os estudantes de conservatório
eram encorajados a recolher e incorporar material do folclore como inspiração criativa. Nos círculos
académicos, o compositor húngaro Béla Bartók (1881–1945) era amplamente elogiado, tanto pelas suas
canções folk, resultantes de uma recolha no campo, como pela sua moderna linguagem compositiva inspirada
no folclore, cimentando as suas credenciais artísticas como um homem do povo.
Dança Yao, escrita por Liu Tieshan (n. 1923) e orquestrada por Mao Yuan (n. 1926), teve inspiração inicial na
forma de dança com tambores longos do povo Yao (uma das 55 minorias nacionais que compõem a população
chinesa), que Liu encontrou durante o seu trabalho de campo musical. Desde o início da década de 1950,
esta obra é considerada um clássico chinês de orquestra, tocada em todo o mundo. Os ritmos
inaugurativos, reminiscentes do toque lento do tambor, transportam-nos para um festival de dança na
vila. À medida que a energia se intensifica, revivemos a animação das danças que encontrámos antes do
interlúdio.
Fantasia Xinjiang, que inclui quatro canções populares, foi escrita por Yang Xuefei. As fantasias têm sido a base da
música clássica ocidental desde o século XVI, tocadas originalmente em alaúde ou nas primeiras
adaptações polifónicas vocais para teclas, proporcionando aos instrumentistas uma forma de fazer música
em casa. Yang Xuefei cita quatro temas populares neste trabalho, ligando-os com inventivos prelúdios e
interlúdios, oferecendo coloridos retratos de pessoas, evocando paisagens de desertos e cadeias
montanhosas.
O capítulo final conjuga dois instrumentos de corda percutida que são primos distantes, separados pela
geografia e pelo tempo, com cada peça acentuando as semelhanças e contrastes inerentes que existem entre
eles. O compositor singapuriano Benjamin Lim Yi (n. 1984) apresenta um arranjo de Três Variações de Ameixoeira em Flor,
obra que tem raízes numa antiga tablatura para o guqin chinês, apesar de a versão original ter sido
destinada à flauta de bambu chinesa. É provavelmente a primeira composição musical em louvor à
ameixoeira em flor, que é reverenciada pela sua pureza e resiliência frente ao gelo invernoso. A cópia
mais antiga conhecida desta obra data de 1495 e tem impressionado vários musicólogos pela técnica formal
de variação que aplica. Além da harmonia, os dois instrumentos criam um verdadeiro “diálogo”, que se
estende muito além da instrumentação a solo original.
O arranjo de Yang Xuefei das Danças Folclóricas Romenas
de Bartók baseia-se largamente nas sonoridades percutidas dos dois instrumentos, remetendo para material
original do folclore da Transilvânia, que o compositor húngaro recolheu antes da Primeira Guerra
Mundial. A universalidade da música dançada e das melodias folk — executadas por guitarra e pipa — é
testamento de que a música é a destilação da cultura em sonoridade. Não raras vezes, podemos encontrar
interconexões que atravessam continentes. A música de Bartók faz uso de modos e escalas, alguns dos
quais remetem para a Ásia.
É também adequado que o dueto de guitarra e pipa apresente uma
obra contemporânea especificamente composta para essa combinação. A recente Dança Flamenca
de Benjamin Lim Yi presta homenagem à icónica tradição espanhola, remetendo para as composições a solo
de Martín e Peña neste programa. Ao mesmo tempo, esta nova obra de um compositor asiático relembra-nos
de como os estilos nacionais se imiscuem nesta nossa vila global do século XXI.
Para finalizar em grande, as três instrumentistas aparecem em conjunto no palco para interpretarem a Canção do Pescador ao Luar, de Lou Shuhua (1907–1952). Um virtuoso do guzheng no período entre guerras, Lou contava-se entre um
grupo de artistas chineses que participaram numa tour europeia em 1935, estabelecendo pontes de
comunicação musical entre continentes. Depois do regresso à China, Lou foi convidado pela Pathé para uma
gravação, acontecimento que o liga directamente a Ren Guang, compositor de Nuvens de Prata Perseguindo a Lua. Lou compôs a Canção do Pescador ao Luar
(uma adaptação inspirada numa composição antiga) entre 1938 e 1939, representando a serenidade e alegria
de vida no mar e o sossego da noite.
Desejamos-vos uma noite fantástica!
Notas ao programa em chinês e inglês fornecidas por Dra. Joanna C. Lee
Yang Xuefei é uma das melhores guitarristas clássicas do mundo e também a primeira artista chinesa a enveredar por uma carreira internacional com este instrumento. A revista de música britânica Classic FM colocou o nome de Yang Xuefei entre os 100 melhores músicos clássicos do nosso tempo e em 2019 apareceu na capa da revista Classical Guitar Magazine pela terceira vez. Agora sediada no Reino Unido, Yang é reconhecida enquanto solista e artista de câmara, tendo actuado em mais de 50 países na América, Europa e Ásia e colaborado com artistas prestigiados como o tenor Ian Bostridge. Convidada frequente de algumas das orquestras mundiais de topo, Yang é directora artística do Festival Internacional de Guitarra de Changsha desde 2015.
Lu Yiwen é uma das mais conhecidas intérpretes de erhu da China. Actualmente a leccionar este instrumento no Conservatório de Música de Xangai, ao longo dos anos Yiwen tem sido distinguida com os prémios de maior prestígio, graças a uma técnica refinada e alto potencial artístico que a levaram a actuar nas mais importantes esferas musicais em todo o mundo. Colaborou extensivamente com grandes orquestras, ensembles e solistas, actuando em concertos altamente reconhecidos em inúmeros países, do Antártico, América e Europa, passando pela Ásia e pela África. Combinando tradição instrumental e poética com sons mais contemporâneos, nos seus concertos Yiwen inclui frequente as suas próprias composições e transcrições.